Androginia cerebral: por que quebrar normas de gênero pode melhorar a saúde mental
- Barbara Jacquelyn Sahakian, Christelle Langley, Qiang Luo & Yi Zhang
- The Conversation*
Em espaços como a publicidade, costuma-se presumir que homens e mulheres são fundamentalmente diferentes.
Mas, claro, todos nós conhecemos pessoas andróginas, que têm uma mistura de traços que são considerados, de modo estereotipado, masculinos ou femininos.
É importante ressaltar que essa "androginia psicológica" há muito tempo é associada a características como melhor flexibilidade cognitiva (a capacidade mental de alternar entre tarefas ou pensamentos diferentes), competência social e saúde mental.
Mas como isso está relacionado ao cérebro? As pessoas que são mais andróginas em seu comportamento vão contra sua natureza biológica, fazendo coisas para as quais seus cérebros não são otimizados?
Nosso novo estudo, publicado recentemente na revista Cerebral Cortex, sugere que ela existe e é comum.
Acredita-se que a androginia psicológica seja "psicologicamente protetora". Por exemplo, sabemos que ela está associada a menos problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade. Também tem sido relacionada ao aumento da criatividade.
Todos nós estamos familiarizados com os traços que são classificados de maneira estereotipada como masculinos ou femininos.
Os homens, por exemplo, não são incentivados a expressar sentimentos ou chorar quando estão tristes. Em vez disso, espera-se que sejam duros, assertivos, racionais e bons em tarefas visuais e espaciais, como leitura de mapas.
Por outro lado, espera-se que as mulheres sejam mais emocionais, atenciosas e melhores no uso do idioma.
Outros pesquisadores, no entanto, argumentam que essas diferenças são mínimas e as categorias são tudo menos absolutas.
Um estudo sugeriu que, psicologicamente, a maioria de nós provavelmente está em algum lugar no espectro entre o que consideramos de maneira estereotipada um "homem" e uma "mulher".
Mas isso significa que as pessoas que se situam em algum ponto intermediário têm um cérebro e um comportamento mais andróginos?
Para testar esse conceito, criamos um espectro do cérebro usando um algoritmo de aprendizado de máquina e dados de neuroimagem.
Embora os cérebros masculino e feminino sejam semelhantes, a conectividade entre as diferentes áreas do cérebro tem se mostrado distinta.
Usamos esses marcadores de conectividade para caracterizar os cérebros de 9.620 participantes (4.495 homens e 5.125 mulheres).
Descobrimos que os cérebros estavam de fato distribuídos por todo o espectro e não apenas nos dois extremos.
Em uma subamostra, aproximadamente 25% dos cérebros foram identificados como masculinos, 25% como femininos e 50% foram distribuídos ao longo da seção andrógina do espectro.
Além disso, descobrimos que os participantes que se enquadravam no meio desse espectro, representando a androginia, tinham menos sintomas de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, em comparação com aqueles nos dois extremos.
Esses achados apoiam nossa nova hipótese de que existe um conceito de neuroimagem de androginia cerebral, que pode estar associado a uma melhor saúde mental de maneira semelhante à androginia psicológica.
Por que a androginia pode nos beneficiar
Para aprender coisas novas a fim de nos adaptarmos ao ambiente global em constante mudança, devemos ser capazes de estar atentos ao mundo que nos rodeia.
Devemos também ter bem-estar mental, flexibilidade e ser capazes de empregar uma ampla gama de estratégias de vida.
Mas essas diferenças provavelmente se devem em parte às normas e expectativas da sociedade: todos nós queremos agradar, portanto, nos conformamos com as regras.
Se uma menina ouvir que é rude ou inapropriado ser assertiva, por exemplo, ela pode mudar seu comportamento para amenizar ou esconder sua assertividade, o que pode afetar suas futuras opções de carreira, por exemplo.
Adolescentes homens, por exemplo, podem não ser encorajados por amigos e familiares a considerar carreiras mais gratificantes, mas sim escolher trabalhos mais perigosos, como ingressar no exército ou na polícia.
O gênero do cérebro
Os cientistas há muito discutem a respeito de como os cérebros masculino e feminino realmente são diferentes, e há muitos relatos sobre essas distinções.
Essas habilidades nos permitem entender rapidamente o contexto externo e decidir uma resposta ideal.
Eles nos ajudam a aproveitar oportunidades limitadas no tempo e a incutir resiliência.
Assim, essas habilidades conferem uma vantagem para pessoas com cérebros andrógenos, enquanto outras têm menos probabilidade de prosperar.
Mas por que isso acontece?
Uma análise de 78 estudos com cerca de 20 mil participantes revelou que os homens que obedecem às normas masculinas típicas, como nunca depender dos outros e exercer poder sobre as mulheres, sofrem mais sintomas psiquiátricos do que outros, como depressão, solidão e abuso de substâncias.
Eles também se sentem mais isolados, sem criar conexões sociais com outras pessoas.
As mulheres presas a essas regras também pagam um preço, talvez abandonando o emprego dos sonhos porque a indústria é dominada por homens ou assumindo a maioria das tarefas doméstica.
No entanto, uma pessoa andrógina não é influenciada pelas normas de gênero na mesma medida.
Isso não significa que não haja esperança para aqueles que estão nas extremidades do espectro. O cérebro é mutável (plástico) até certo ponto.
O cérebro andrógino é provavelmente influenciado por fatores genéticos e ambientais, bem como por uma interação entre os dois.
Nosso próprio estudo sugere que o nível de androginia cerebral das pessoas pode mudar ao longo da vida.
Pesquisas futuras são necessárias para compreender as influências na androginia cerebral ao longo da vida e como fatores ambientais, como a educação, podem afetá-la.
Uma vez que descobrimos que um cérebro andrógino oferece melhor saúde mental, segue-se que, para um ótimo desempenho na escola, no trabalho e melhor bem-estar ao longo da vida, devemos evitar estereótipos extremos e oferecer às crianças oportunidades equilibradas à medida que crescem.
*Barbara Jacquelyn Sahakian é professora de Neuropsicologia Clínica da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
*Christelle Langley é pós-doutoranda em Neurociência Cognitiva na Universidade de Cambridge.
*Qiang Luo é pesquisador de Neurociência da Universidade Fudan, em Xangai, na China
*Yi Zhang é doutorando-visitante na Universidade de Cambridge.
*Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation. Leia o texto original clicando aqui.
Créditos BBC, publicado originalmente em - https://www.bbc.com/portuguese/geral-55864876
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