Transfobia é crime?
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) está sendo acusado de transfobia após ter discursado com uma peruca e dito que se sentia uma mulher transsexual na Câmra; conheça o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o que configura crime de transfobia
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) está sendo acusado de transfobia após ter colocado uma peruca e dito que se sentia uma mulher transsexual durante seu discurso na Câmara dos Deputados. Segundo o parlamentar, desta forma ele teria “lugar de fala” para discursar no Dia Internacional da Mulher.
O Ministério Público Federal (MPF) pediu a apuração do ocorrido pela Câmara dos Deputados, e deputados do PSOL, PDT e PSB pediram a cassação do seu mandato.
Na representação contra Ferreira, os deputados afirmam que, “como é possível depreender da fala do deputado, o conteúdo de seu discurso tem caráter ofensivo e criminoso, uma vez que direcionado a manifestar discriminação e ridicularizar pessoas transexuais e travestis”.
Na manifestação do MPF também se destaca: “É repugnante um congressista usar as vestes da imunidade parlamentar para, premeditadamente, cometer crime passível de imputação a qualquer cidadão ou cidadã.”
Transfobia é crime?
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, que passaram a ser enquadradas pela Lei de Racismo. Na decisão, a Corte definiu como crime condutas que “envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém”.
A pena pode ir de um a três anos de prisão, além de multa. E pode chegar a até cinco anos de reclusão se houver divulgação ampla do ato.
A decisão ainda fez a ressalva de que a repressão penal por homofobia ou transfobia não restringiria nem limitaria o exercício da liberdade religiosa. Ou seja, fiéis e ministros de qualquer religião podem pregar e divulgar suas convicções religiosas, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio – que incita a discriminação, hostilidade ou violência contra essas pessoas.
A Corte ainda explicita que a decisão de enquadrar os crimes na Lei de Racismo se deve ao conceito de racismo compreendido em sua dimensão social, enquanto uma construção histórico-cultural motivada para justificar a desigualdade entre aqueles que integram algum grupo vulnerável, neste caso a comunidade LGBTQIA+.
“Por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito”, diz o documento.
Nikolas Ferreira disse, em seu discurso na Câmara, que as mulheres estariam “perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres”. E que “eles estão querendo colocar uma imposição de uma realidade que não é a realidade”.
O parlamentar disse ainda que sabia correr o risco de ir para a cadeia por transfobia por ter parabenizado apenas as “mulheres [com cromossomos] XX” pelo Dia da Mulher. “É uma imposição. Ou você concorda com o que eles estão dizendo, ou caso contrário você é um transfóbico, homofóbico e preconceituoso”, falou.
A justificativa para aqueles que acusam o deputado de crime de transfobia é a que ele teria discriminado mulheres transsexuais em seu discurso apenas por elas serem transexuais.
Os reflexos da transfobia
O Brasil foi, em 2022, o país que mais assassinou pessoas trans no mundo pelo 14º ano consecutivo.
Um levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) mostrou que 131 pessoas trans foram mortas no país no ano passado. E outras 20 cometeram suicídio por conta da discriminação e do preconceito que sofriam.
A maioria dessas vítimas tinha entre 18 e 29 anos, e a média de expectativa de vida de pessoas transexuais no Brasil é de apenas 35 anos.
Dos 131 assassinatos, 130 foram cometidos contra mulheres transexuais e 76% das vítimas eram negras ou pardas.
O levantamento ainda ressalta que, entre as vítimas, a prostituição é a fonte de renda mais frequente, já que transsexuais encontram menos oportunidades de emprego.
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