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Quem se importa com as lésbicas?
Créditos Diálogos Feministas - Brasil de Fato
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Quem se importa com as lésbicas?
Esse será um dos preços a pagar por sermos lésbicas visíveis?
No dia 10 de dezembro, Ana Caroline Sousa Campêlo foi cruelmente assassinada. Sim, foi no dia dos Diretos Humanos, será essa a primeira mensagem que seu agressor veio deixar para nós? Não darei detalhes do acontecido, pois é difícil tirar da cabeça as imagens de uma menina de 21 anos sendo torturada.
Por que ela foi assassinada e por que desse jeito?
São perguntas retóricas, sei, mas elas se passam pela minha cabeça o tempo todo. O que alguém imagina que ela desobedecera tanto, ao ponto de lhe arrancarem os olhos! Rita Segato, feminista que trabalha tentando entender o que há detrás dos feminicídios, diz que cada assassinato de mulheres deixa um recado: “Nesses corpos escreve-se a mensagem doutrinadora que esse capitalismo patriarcal de alta intensidade necessita impor à sociedade”.
Esse será um dos preços a pagar por sermos lésbicas visíveis?
Uma das mensagens possíveis é uma ameaça para voltar aos armários. Sabemos que a família Bolsonaro incentivou esse tipo de comportamentos. Cuidado, o fascismo está aí e em várias partes do mundo. Já escrevemos várias vezes nesta coluna sobre o genocídio que está acontecendo com o povo palestino.
Uma outra questão que não me sai da cabeça é porque, nas manifestações de repúdio que fizemos em várias cidades do país, as companheiras heterossexuais não estiveram conosco. Quando uma pessoa negra é assassinada, muitas não negras estamos junto. Quando acontece uma violência com uma pessoa indígena, muitas não indígenas estamos junto.
(É impossível ser uma coisa só, aqui estou me referindo as bandeiras. Certamente que havia pessoas negras e migrantes e indígenas indignadas com o assassinato da Carol.)
Será que ainda tem uma questão mor(t)al em jogo?, de lesbofobia introjetada? Do tipo, se estão com elas, vão achar que elas também são lésbicas? Frente ao silêncio, não só de não ir nas manifestações, mas de se manifestar com palavras, com solidariedade, como diziam tantos cartazes aqui em Porto Alegre, Poderia ter sido eu. Poderíamos ter sido qualquer uma de nós, inclusive, a nossa deputada federal Daiana Santos, que foi ameaçada de estupro corretivo, mesmo sendo deputada.
Para quebrar essa sensação de apatia pedi em um grupo de WhatsApp que pelo menos nos ajudassem a divulgar. Até isso a gente tem que pedir. Teve casos de algumas que me marcavam nas redes sociais. Qual seria a mensagem aí? Eu não sou, a lésbica é ela?
Tenho certeza que se o cruel assassinato de Carol tivesse sido divulgado pelo fato de ser uma menina negra do estado de Maranhão, muita gente teria se solidarizado, mas como o caso veio à tona pelo lado da sua sexualidade, a mudez foi eloquente.
Acho que muitas heterossexuais não são cientes da violência que exercem negando nossas existências lésbicas. Eu organizo o Sarau das minas há mais de 6 anos, cada tanto fazemos um encontro que é Edição lésbica e é isso. Vêm uma, duas das que vêm sempre. Só. Tanto medo têm de nós? Juro que eu fico imaginando o que se passa pelas suas cabeças. Que faremos uma suruba? Será que elas ainda pensam que as lésbicas gostam de todas as mulheres e daremos em cima delas? Será que elas pensam que nesse dia só lemos sacanagem? E se assim fosse?
Em muitas causas feministas, como é a da legalização do aborto, muitas sapatões e pessoas trans estamos junto. Então, por que quando matam uma das nossas nos deixam sós? SOS que sociedade é essa?
Quantas perguntas dispara um assassinato? Quantas dores temos as lésbicas, das que ainda não falamos?
Que sociedade é essa que tenta nos matar, nos calar, nos ignorar, nos deixar sozinhas?
Na quinta-feira, 21 de dezembro, nos concentramos na Praça de Alfândega. Pintamos faixas e cartazes, falamos poemas e contamos histórias de fatos acontecidos conosco. Também nos abraçamos muito. Depois caminhamos até a Esquina Democrática e daí seguimos para o Largo Zumbi dos Palmares. Acendemos velas e gritamos Carol, Presente!
O vento espalhou nossas vozes porque matam a uma e respondemos todas.
Antes de ir embora, um homem se aproximou e me perguntou quem era Carol. Expliquei, então, o que tinha se passado com ela. Tem alguma suspeita? Insistiu. Sim. Que não poderão com nós-outras.
* mariam pessah : ARTivista feminista, escritora e poeta, autora de Meu último poema, 2023; Em breve tudo se desacomodará, 2022; organizadora do Sarau das minas/Porto Alegre desde 2017 e coordenadora da Oficina de escrita e escuta feminiSta.
** Este é um artigo de opinião. A visão dx autorx não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko - Créditos Brasil de Fato
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